"Dharma-Lite" vs "Dharma a Sério"

"Dharma-Lite" vs "Dharma a Sério"

 

 

O texto a seguir foi escrito por, Alexander Berzin, do site “Os Arquivos de Berzin”.

O artigo “Dharma-Lite” vs “Dharma a Sério”  mostra-nos um aspecto de como o budismo é encarado, geralmente, por muitos praticantes que buscam os ensinamentos para ajuda-los a superar os seus problemas psicológicos ou emocionais e mostra que o fundamento para se aprofundar no budismo é o fato de acreditar no renascimento.

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A Importância do Renascimento

O budismo tibetano segue a tradição indiana e todas as tradições indianas tomam como garantida a crença no renascimento. Mesmo que os seguidores tradicionais do budismo não tenham uma profunda compreensão daquilo que renasce ou como o renascimento funciona, ainda assim eles cresceram com a ideia do renascimento como uma herança cultural. Eles apenas precisam de refinar as suas compreensões, mas não precisam de ser convencidos da existência do renascimento. Assim, os textos sobre os estágios graduais do caminho (lam-rim) nem sequer mencionam o tópico sobre como obter a convicção da existência do renascimento.

Sem o renascimento, não faz sentido a discussão sobre a mente não ter início nem fim. Sem [a existência de] uma mente sem início nem fim, a apresentação do carma cai por terra. Isso acontece porque muito frequentemente as consequências cármicas das nossas ações não se manifestam na mesma vida em que cometemos essas ações. Da mesma forma, sem a apresentação cármica de causa e efeito ao longo de muitas vidas, a discussão sobre a origem dependente e a vacuidade de causa e efeito caem por terra.

Além disso, com relação aos três objetivos de motivação do lam-rim, como podemos nós sinceramente procurar melhorar as nossas vidas futuras se não acreditarmos na existência delas? Como podemos sinceramente pretender obter a libertação dos incontroláveis renascimentos recorrentes (samsara) se não acreditarmos no renascimento? Como podemos sinceramente ter como objetivo a iluminação e a capacidade de ajudar os outros a obterem a libertação do renascimento sem acreditarmos que o renascimento é um fato?

Com relação à meditação sobre bodhichitta, como podemos sinceramente reconhecer todos os seres como tendo sido nossas mães em vidas anteriores, sem acreditarmos nas vidas anteriores? Com relação ao anuttarayoga tantra, como podemos sinceramente meditar na analogia com a morte, bardo e renascimento para nos purificarmos [e, assim, deixarmos] de os experimentar incontrolavelmente, se não acreditarmos que o bardo e o renascimento ocorrem?

Por isso, temos evidências claras de que o renascimento é fundamental para uma vasta e crucial parte dos ensinamentos do Dharma.

Dharma-Lite e Dharma a Sério

A maioria dos ocidentais vêm ao Dharma sem previamente acreditarem no renascimento. Muitos abordam o estudo e a prática do Dharma como um método de melhorar a qualidade desta vida, especialmente em termos de superação de problemas psicológicos e emocionais. Essa atitude reduz o Dharma a uma forma asiática de psicoterapia.

Eu uso o termo Dharma-Lite para essa abordagem ao Dharma budista, por analogia à “Coca Cola-Lite”. É uma versão mais fraca, não tão forte quanto o “Dharma a Sério”. À abordagem tradicional ao Dharma – que inclui não só a discussão do renascimento, como também a apresentação dos infernos e dos seis reinos da existência – eu dei-lhe o nome de Dharma a Sério.

Duas Maneiras de Praticar o Dharma-Lite

Existem duas maneiras de praticar o Dharma-Lite.

  1. Podemos praticá-lo reconhecendo a importância do renascimento no budismo e com a intenção sincera de estudarmos os corretos ensinamentos sobre ele. Assim, procuramos melhorar esta vida atual com os métodos do Dharma simplesmente como um degrau para podermos melhorar os nossos renascimentos futuros e obter a libertação e a iluminação. Desta forma, o Dharma-Lite torna-se num passo preliminar aos estágios graduais para a iluminação; um passo anterior ao escopo inicial. Tal abordagem é completamente justa para com a tradição budista. Ela não chama o Dharma-Lite de “Dharma a Sério”.
  2. Podemos praticá-lo reconhecendo que o Dharma-Lite não só é o Dharma a Sério, como também a forma mais correta e habilidosa que o budismo ocidental pode tomar. Tal abordagem desvaloriza e é grosseiramente injusta para com a tradição budista verdadeira. Leva facilmente a uma atitude de arrogância cultural.

Deste modo, devemos proceder com grande cuidado se percebermos que, no nosso nível atual de desenvolvimento e compreensão espiritual, o Dharma-Lite é a “bebida” para nós.

Sumário Esquemático do Dharma-Lite

O budismo torna-se Dharma-Lite quando:

  • o objetivo é melhorar apenas esta vida;
  • o estudante tem pouco ou nenhum entendimento dos ensinamentos budistas sobre o renascimento;
  • consequentemente, o estudante não acredita nem tem interesse em vidas futuras;
  • mesmo se o estudante acreditar no renascimento, ele ou ela não aceita a existência dos seis reinos do renascimento;
  • o professor(a) do Dharma evita falar sobre o renascimento ou, mesmo falando sobre o renascimento, evita falar sobre os infernos. O professor(a) reduz os seis reinos às experiências psicológicas humanas.

Sumário Esquemático sobre o Dharma a Sério

O Dharma a Sério é a autêntica prática tradicional do budismo, na qual:

  • o estudante pelo menos reconhece a importância do renascimento no caminho espiritual e tem o desejo sincero de obter uma compreensão correta sobre ele;
  • o estudante tem como objetivo a libertação dos incontroláveis renascimentos recorrentes ou a iluminação e a capacidade de ajudar todos os outros a obterem a libertação;
  • mesmo se o estudante procurar melhorar as suas vidas futuras, isso será simplesmente como um passo provisório no caminho para obter a libertação ou a iluminação;
  • mesmo que o estudante procure melhorar esta vida, isso será simplesmente como um passo provisório no caminho para melhorar as vidas futuras e obter a libertação ou a iluminação.

 




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